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História

Sobre a proclamação de uma República

Sim, desde lá, um golpe…

A proclamação da república no Brasil, ocorrida em 15 de novembro de 1889, é amplamente vista como um golpe de Estado, marcando a transição do regime monárquico para o republicano. Esse evento foi resultado de uma série de descontentamentos com o governo monárquico de Dom Pedro II e de uma articulação política e militar liderada pelo Marechal Deodoro da Fonseca e outros membros das forças armadas. Diferentemente de muitos movimentos de independência ou revoluções populares, a proclamação no Brasil não contou com o apoio massivo da população. Na realidade, a população brasileira, em sua maioria, foi pega de surpresa, sendo um evento que se deu nos bastidores das elites políticas e militares.

A base desse movimento estava, principalmente, em duas vertentes de descontentamento: o crescente poder das oligarquias agrárias e o fortalecimento do exército, que via na monarquia um sistema ultrapassado e incompatível com suas aspirações de protagonismo político. Além disso, a monarquia enfrentava oposição por conta do processo de abolição da escravatura, que havia ocorrido apenas um ano antes, em 1888. A libertação dos escravos enfureceu os grandes fazendeiros, que, descontentes com o impacto econômico da medida, passaram a apoiar a ideia de uma república que favorecesse seus interesses.

Nesse cenário, o Marechal Deodoro, que inicialmente era um monarquista convicto e relutante quanto à proclamação da república, foi convencido a liderar o movimento em um contexto de tensão e insatisfação. Pressionado por colegas militares e pela ameaça de substituição de oficiais republicanos do governo, Deodoro acabou se voltando contra o primeiro-ministro Visconde de Ouro Preto, destituindo-o do cargo e anunciando o fim do Império. Na prática, Dom Pedro II não resistiu ao golpe, aceitando passivamente o exílio e, assim, colaborando para que a transição se realizasse sem derramamento de sangue.

O apoio popular à república era praticamente inexistente, uma vez que o movimento republicano era restrito a círculos urbanos e intelectuais que não representavam o sentimento geral da população rural e dos trabalhadores urbanos. A maior parte dos brasileiros, naquele momento, sequer compreendia o que significava uma república e desconhecia as mudanças que estavam sendo implementadas. A própria cerimônia de proclamação foi um evento restrito e discreto, conduzido de forma a consolidar o novo regime sem grandes conflitos.

Assim, a proclamação da república no Brasil foi um ato majoritariamente elitista, promovido por um grupo restrito que desejava redefinir o poder político e garantir seus próprios interesses. Em vez de um movimento popular ou de uma revolução democrática, o que se viu foi um golpe planejado e executado pelas forças armadas e por parte das elites econômicas, marcando o início de uma nova fase política no país, mas que em pouco alterou a realidade da maioria dos brasileiros.

O protagonismo das oligarquias agrárias no movimento republicano de 1889 revela o papel determinante do agronegócio nas decisões políticas do Brasil desde a proclamação da república. A insatisfação das elites rurais com a abolição da escravatura levou-as a se aliar ao Exército para assegurar um regime que melhor atendesse aos seus interesses. Esse contexto explica como a república no Brasil foi concebida não como um regime voltado para a inclusão popular, mas como uma estrutura destinada a preservar o poder econômico e político das grandes fazendas e de seus representantes. A república, desde o início, foi moldada para atender às necessidades das elites agrárias, que, aliadas aos militares, viam na nova forma de governo uma maneira de manter o controle sobre a estrutura social e econômica, sem abrir espaço para demandas populares.

Esse traço histórico ressurge com força ao final do governo Bolsonaro, em 2022, quando novamente se observa o apoio de segmentos do agronegócio e das forças militares a movimentos que contestavam a democracia. A tentativa de golpe de Estado, acompanhada por manifestações e bloqueios impulsionados por setores vinculados ao agronegócio, evidencia como esses grupos ainda enxergam na política uma ferramenta para proteger privilégios. Assim como em 1889, os interesses agrários e militares se alinham, buscando impor sua visão política e resistindo a mudanças que possam ameaçar sua influência. Esse paralelismo ressalta como a dinâmica de poder no Brasil carrega uma continuidade histórica em que os interesses de grandes empresários rurais e militares colocam as instituições democráticas em risco, preservando estruturas de dominação que atravessam séculos.

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