Recentemente, Alvaro Borba, criador do canal de YouTube Meteoro Brasil, tem sido alvo de críticas por utilizar imagens geradas por inteligência artificial (IA) nos thumbnails de seus vídeos. A crítica se baseia na ideia de que essa prática desrespeita ilustradores que – supostamente – poderiam ser contratados para criar essas imagens.
No entanto, essa perspectiva pode ser considerada infrutífera quando analisada sob um ângulo mais abrangente do sistema capitalista em que estamos inseridos. Fato: Alvaro já declarou que sempre fez seus próprios thumbnails, num melhor espírito da colagem – Do It Yourself.
Eu sempre fiz as capas dos meus vídeos. Andei testando IA em algumas delas: prompt e muitos ajustes posteriores. É um processo de experimentação feito por um amador, sem a substituição de ninguém. https://t.co/TyfAnrtWN0
— Arvro (@alvaroborba) June 3, 2024
A utilização de Inteligências Artificiais Generativas para a criação de artefatos de design é uma realidade que já se impôs no mercado. A “comoditização” desse tipo de serviço é uma consequência direta do avanço tecnológico e da busca incessante por eficiência e redução de custos. (Sim, isto aqui tb é uma crítica ao raciocínio Neo-Liberal!)
Criticar Alvaro Borba por usar uma ferramenta disponível para otimizar seu trabalho é ignorar a engrenagem maior do capitalismo que constantemente esmaga e tritura as pontas das cadeias produtivas. (Sim, capitalismo é uma máquina de moer gente!)
A frase “Resistance is futile” (“A resistência é inútil”, ou “A resistência é fútil”), proferida pelos Borgs em Star Trek: The Next Generation, encapsula bem a inevitabilidade da adoção de novas tecnologias no contexto atual. As ferramentas de IA são apenas o mais recente exemplo de uma longa história de inovação que transforma o mercado de trabalho e desafia os profissionais a se adaptarem.
Em tempo, o modelo econômico da Federação Unida dos Planeta idealizada por Gene Roddenberry, não era Capitalismo. E Inteligências Artificiais estão no lore daquele universo ficcional desde a década de 1960. Dá pra aprender algo ali…
A Realidade do Capitalismo
Vivemos em um sistema onde a eficiência e a maximização de lucros são imperativos. Empresas e indivíduos buscam constantemente maneiras de cortar custos e aumentar a produtividade. Nesse contexto, a ferramenta IA se apresenta como uma solução lógica. A utilização dessas ferramentas para tarefas repetitivas e que demandam menos criatividade humana é uma consequência natural.
Segundo Marx (1867), no seu seminal “O Capital”, o capitalismo tende a revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, transformando todo o sistema de produção e as relações sociais. A introdução de IA no design segue essa mesma lógica, onde a inovação tecnológica é utilizada para aumentar a produtividade/competitividade e reduzir custos operacionais. E isto, logicamente, vai impactar nos sistemas de produção e nas relações sociais.
A Comoditização da Arte Digital
Arte digital, assim como muitas outras formas de trabalho ‘dito criativo’, está se tornando uma commodity.
- Já é?
- Já foi?
- Ou já era?
Isso significa que ela está sendo padronizada e comercializada como qualquer outro produto no mercado. O uso de IA para criar thumbnails é um exemplo bem mais ou menos para este fenômeno… Convenhamos.
Para os profissionais da área “da criação” (meto as aspas mesmo… Pois lembro de Chacrinha, evoluindo Lavoisier), a resposta não está em criticar aqueles que utilizam essas ferramentas, mas em encontrar maneiras de agregar valor às suas habilidades que as máquinas ainda não podem replicar. A criatividade humana, a capacidade de contar histórias e a habilidade de criar conexões emocionais (empatia?!) com o público são áreas onde os humanos (ainda!) podem se destacar.
Criticar Alvaro Borba por utilizar IA em seus thumbnails é perder de vista a realidade maior do sistema capitalista. A utilização de novas tecnologias é inevitável e faz parte da dinâmica de transformação constante da máquina de moer. Temos, aos nossos olhos, uma nova mudança de paradigmas batendo na porta. Uma “outra revolução industrial”, tal qual a chegada da internet comercial, há 30 anos. Sendo que dessa vez, a paulada vai ser mais forte… e na emenda. Em vez de resistir às mudanças, os profissionais devem buscar maneiras de se adaptar e encontrar nichos onde sua criatividade e habilidades únicas (ainda!) possam brilhar.
IA e o Zeitgeist
As inteligências artificiais generativas se apropriam de um “Zeitgeist” enquanto base epistemológica para “criar” o que elas “criam“. Assim como artistas se inspiram em outras obras, outros artistas, e no espírito de seu tempo, as IAs coletam e processam enormes quantidades de dados culturais e históricos para gerar suas criações. Esta capacidade de absorver e transformar o conhecimento coletivo e cultural reflete o processo artístico humano em muitos aspectos.
Documentários como “Everything is a Remix“ destacam como a criatividade está intrinsecamente ligada à remixagem de ideias existentes. O livro “Roube Como Um Artista“, de Austin Kleon, reforça essa ideia ao argumentar que nada é completamente original e que toda criação é uma combinação de influências pré-existentes. As IAs, ao processarem dados e criarem novos conteúdos, seguem um princípio semelhante, sendo uma extensão tecnológica do processo criativo humano.
A idade bate: Uso este documentário e/ou suas premissas em sala de aula já vai quase 15 anos. Sem surpresas pois: Tudo que sai, é consequência do repertório que entrou.
Então…
Qualquer artista, quando cria, também "rouba" de outros artistas e alimenta seu imaginário epistemológico, sem autorização e – naturalmente – involuntariamente.
Every[fucking]Thing is a Remix.https://t.co/beLwARJHzW
— fábio caparica (@caparica1975) June 4, 2024
“Resistance is futile“, como dizem os Borgs/Dorcons. A aceitação e adaptação são os caminhos mais viáveis para prosperar no ambiente em constante mudança que caracteriza o capitalismo moderno.
Referências bibliográficas
- FERGUSON, Kirby. Everything is a Remix. Disponível em: Everything is a Remix.
- KLEON, Austin. Roube Como Um Artista. Rio de Janeiro: Rocco, 2013.
- MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo, 2013.
Update, dia 05.06.2024, 17:34h
Acabo de ver video publicado pelo Alvaro Borba: